Jornal Nova Geração

ENTREVISTA

Cafezinho com NG | Natália Sulzbach

A psicóloga é uma das pessoas que atua há semanas no Ginásio Cristo Rei para organizar a ajuda aos afetados pela enchente do começo do mês de setembro

Natália também trabalha no atendimento do Cram (Foto: Arquivo Pessoal)

Passadas mais de duas semanas desde a enchente, como está sendo feito o trabalho com os donativos no Ginásio Cristo Rei?
Natália Sulzbach – O Cristo Rei segue sendo o centro de recebimento de doações. Todas as doações podem ser encaminhadas para lá. No entanto, a população atingida que deseja retirar cestas básicas, kits de higiene e limpeza e colchões, devem se dirigir a outros espaços.
Para esse trabalho, temos hoje mais de 1,1 mil voluntários, que trabalham descarregando as doações, realizando a triagem e montando as cestas básicas e kits de higiene e limpeza.

Você já faz o atendimento no Cram. Como você vê o estado das famílias, principalmente das mulheres, neste momento?
Natália Sulzbach – Nesse momento, já passando a situação emergencial e adentrando uma fase de reestruturação, começam a surgir as questões psíquicas, que trazem consequências e questões a serem trabalhadas por muito tempo. É uma catástrofe coletiva, atravessada pelo sofrimento individual de cada um. O desespero, a tristeza, as perdas, a desestruturação, os processos de luto: tudo isso emerge em cada indivíduo.
Pensando especificamente nas mulheres e na forma como se organizam os contextos familiares, situações como essa podem causar desorganização familiar e intensificar conflitos já existentes e/ou criar novas dificuldades, tendo em vista a vulnerabilidade das famílias. Novamente se trata de um sofrimento coletivo, tendo consequências sociais nas formas de se relacionar e/ou agir.

Quais são os desafios atuais na arrecadação e distribuição de doações?
Natália Sulzbach – Recebemos muitas doações diariamente, de todos os itens necessários. O desafio é conseguir alcançar todos dentro de suas necessidades. Todas as demandas são urgentes e merecem atenção. Todos trazem suas histórias, sofrimento e dificuldades. O desafio é atender a todos da melhor forma possível, de forma igualitária. A situação envolve um número grande de atingidos, e, mesmo existindo uma emergência, a calma e a paciência precisam prevalecer para que se consiga pensar no todo.

Para você, como é trabalhar em um esforço deste tamanho pelos atingidos?
Natália Sulzbach – Vivencio um misto de sentimentos: sinto o privilégio de poder estar atuando, ao mesmo tempo em que lamento que isso tenha acontecido. Existe um desgaste físico e emocional. Todos fazemos parte dessa tragédia. São nossos conhecidos, amigos, familiares, os espaços públicos que frequentamos. Foram demandas emergenciais, que exigiram 24 horas de trabalho, sem rotina, abrindo mão de tarefas pessoais, e, inúmeras vezes, sem conseguir dormir ou se alimentar. Administrar esses sentimentos ao mesmo tempo em que se procura acolher o outro não é uma tarefa fácil.
É comum que as pessoas brinquem comigo, dizendo que, como sou psicóloga, meus sentimentos estarão administrados e que tenho tudo
sob controle. E aí vem algo importante: nas últimas semanas, eu chorei mais do que no restante do ano todo. Chorei, precisei de tempo, precisei pensar e me recompor. É justamente essa mobilização que me move: ser sensível ao sofrimento do outro é o que me move a querer acolhê-lo.
Gostaria, ainda, de enfatizar aqui o trabalho de todos que atuam nessa linha de frente, voluntários, e, principalmente, dos meus colegas do setor público. Os trabalhadores também estão vivenciando essa tragédia de alguma forma e precisamos lembrar do cuidado com eles também. Observar os movimentos de união, solidariedade e cuidado é forma como podemos coletivamente nos reconstruirmos.

O Cafezinho com NG é publicado toda semana no Jornal Nova Geração. Neste espaço, empresários, políticos, lideranças e representantes de comunidades da área de cobertura do semanário destacam experiências e ações nos seus respectivos setores e em benefício de suas cidades.
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