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ECONOMIA

Cheia causa perdas na produção do agro e coloca em xeque sucessão no campo

Setor rural foi afetado pela cheia em diversas localidades e situação coloca em dúvida a continuidade de agricultores. Poder público e líderes do segmento se articulam em busca de medidas paliativas para o recomeço da atividade

Rendimento na propriedade de Jorge Dienstmann, em Estrela, caiu mais de 60%. Das 91 vacas e novilhas, 25 foram perdidas (Foto: Jhon Willian Tedeschi)

A histórica enchente da primeira semana de setembro, além da tragédia humana e social, apresentou prejuízos em diversos setores econômicos, como a agricultura. Produtores que perderam bens pessoais e boa parte – senão toda – da estrutura de trabalho. A exemplo de moradores de áreas urbanas da região que ficaram sem empregos, devido ao colapso de empresas, agricultores tentam contabilizar as perdas, muitas delas ainda imensuráveis.

Existe uma preocupação em relação às condições para a sequência das atividades rurais em algumas localidades. Agentes públicos e líderes do setor buscam articulação para viabilizar suporte aos atingidos. Enquanto isso, os agricultores ainda se recuperam do impacto da cheia e trabalham para manter o mínimo das atividades.

Raul Bergmann de Souza, 28, é produtor de leite na Beira do Rio, em Bom Retiro do Sul. Ele relata o drama na noite em que as águas do Taquari tomaram a propriedade com pouco mais de quatro hectares de milho plantado – somado à parte de terras do irmão Henrique, chegam a 10 hectares. Ele conseguiu salvar o gado ao colocar a cabeça dos animais para fora da correnteza, enquanto tentava se abrigar com a esposa. “Foi uma tortura”, lembra.

Passada uma semana da enchente, Raul ainda tenta se reestruturar. As vacas, sob o estresse da cheia, não produzem conforme a necessidade, as que estão prenhes abortam e demoram a entrar no cio. Enquanto isso, o pasto para alimentá-las deve levar mais algum tempo para ficar de acordo com a alimentação indicada aos animais. “Se a chuva parar, são pelo menos 30 dias para restabelecer um pasto de qualidade.”

Para o pai do jovem, Heitor Fleck de Souza, 64, apenas um incentivo governamental será capaz de fazer com que as atividades sejam mantidas. “A única saída para o produtor se reerguer é vir um crédito a fundo perdido, ou uma porcentagem de rebate. Só prorrogar não adianta, se torna uma bola de neve. Cada vez aumenta mais. Já tem um financiamento, vai empurrando, aí não consegue mais manter. No fim das contas vai ter que entregar até a terra”, justifica.

Ele acrescenta que uma eventual falta de apoio pode gerar reflexos até na área urbana das cidades. “Se o poder público não der uma ajuda nesse sentido, todo mundo vai se acumular na cidade para disputar vagas de emprego. O interior vai terminar, porque os jovens não conseguem se reerguer. Hoje em dia se conta em uma mão os que ficaram, porque desanima. E mesmo assim não temos recurso”, lamenta.

A área de 10 hectares, entre outras coisas, é utilizada para plantação de milho para silagem. Havia cerca de 200 toneladas em estoque, levadas pelas águas. Um prejuízo de R$ 100 mil. O custo de produção por hectare está estimado em R$ 6,5 mil, ou seja, as perdas alcançaram os R$ 65 mil. Somados o valor de vacas e novilhos perdido pelo irmão, de aproximadamente R$ 100 mil, a perda chega próximo aos R$ 300 mil.

Os valores citados são apenas uma parte das dívidas, que ainda incluem financiamentos e a possibilidade de produção perdida. “Não conseguimos nem sentar para pensar nisso”, diz Raul. No entanto, a necessidade e o amor pelo campo dão forças ao jovem para seguir. “A gente precisa. O que vamos fazer? Se resolvermos parar aqui, não tem o que fazer”, conclui.

Animais criados por Raul Bergmann, de Bom Retiro do Sul, sofrem com estresse pós-enchente. Valor inicial de prejuízo é estimado em R$ 300 mil (Foto: Jhon Willian Tedeschi)

Minimizar os prejuízos

No distrito de Costão, em Estrela, a propriedade de Jorge Dienstmann, 51, foi praticamente tomada pelas águas do Taquari. A exemplo dos produtores de Bom Retiro do Sul, ele ainda não conseguiu se organizar para o cálculo das perdas. “Tive que traçar metas e estabelecer algumas prioridades. Difícil mensurar a perda real”, aponta. Em um primeiro momento, ele focou os esforços em salvar as vacas, para que elas não adoecessem.

Ao todo, foram perdidas 25 cabeças de gado, 23 delas encontradas – as duas restantes foram levadas pelo rio. Eram 91 vacas e novilhas, utilizadas para a produção de leite. Ele estima uma queda de 950 litros para 350 litros de leite por dia. Os cuidados pontuais com os animais que ficaram contribuem à perda no rendimento, uma vez que não pode ser utilizado o leite de vacas medicadas.

Dienstmann teve também prejuízos de plantio. Cerca de 20 hectares de milho plantado, prontos para a safra de verão, ficaram submersos. Ainda será avaliado por técnicos agrícolas o quanto poderá ser aproveitado. Em relação a isso, a preocupação está no médio e longo prazo. “Pode levar de três a cinco anos para recuperar o solo, se houve muita perda de matéria orgânica”, explica o produtor.

Outro item que causou prejuízo foi a silagem, que tinha 15 hectares prontos, o equivalente a 500 toneladas. “São de R$ 180 a 200 mil de prejuízo”, estima o produtor. Sem contar a estrutura para criação de frangos, que ele não sabe se poderá utilizar quando a situação se normalizar. “Por sorte não tinham frangos alojados”, comenta.

Debate político

A Frente da Agropecuária Gaúcha da Assembleia Legislativa (ALRS) se reuniu em Lajeado, na terça-feira, 12, em busca de soluções aos agricultores. Foi definida uma pauta emergencial com 12 itens visando o socorro à agricultura familiar para ser entregue à bancada do estado na Câmara dos Deputados e aos governos estadual e federal.

Uma das primeiras medidas atendidas foi a prorrogação, por 180 dias, das parcelas de financiamentos de todos os programas e projetos executados pelo Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper). O mesmo pleito é negociado com a União.

São solicitados a anistia das operações de custeio não amparadas por seguro, a criação de uma linha de crédito emergencial para recuperação das unidades produtivas, inclusão das famílias do meio rural nas políticas de habitação para reconstruir residências, entre outras propostas de recuperação do setor.

“É hora de unirmos forças para amparar nossos agricultores atingidos pelo ciclone, pessoas que perderam parentes, o patrimônio que construiu em toda a vida, e, mais do que isto, perderam a esperança. As entidades e os governos precisam trazer respostas. Os agricultores precisam de financiamentos com crédito especial, prazo especial, sem juros e com rebates para poderem recomeçar”, reforça o presidente da Fetag/RS, Carlos Joel da Silva.

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