Passados pouco mais de 30 dias da grande cheia de 2023 muitas cidades ainda contabilizam as perdas humanas e materiais da tragédia que assolou o Vale do Taquari. O rastro de dor e destruição, que ainda levará tempo para ser superado, trouxe junto velhos questionamentos sobre como antecipar e reduzir os danos de eventos extremos. Mas, apesar da necessidade de mantermos tal debate em pauta – de forma permanente e com soluções efetivas e viáveis, que passam, antes de tudo, por fazer o simples e o óbvio, como um sistema de medição que funcione quando mais se precisa – gostaria de propor outra reflexão. Não podemos deixar que a cheia histórica nos faça, outra vez, virar as costas para o rio Taquari. O ônus de termos cidades próximas a um rio do porte e com as características do nosso não pode ser maior do que o bônus e as oportunidades que as águas nos proporcionam.
Nos últimos anos diversos municípios tiveram o mérito de voltar a se aproximar do rio, com investimentos em espaços públicos nas suas margens. Cito, pra ficar apenas em dois exemplos, o Parque Ney Santos Arruda em Lajeado e o Parque da Lagoa em Estrela. Há outros pelo Vale. Tais movimentos foram um começo bem sucedido de fazer algo que por décadas sonhávamos e não conseguíamos: reaproximar a população não só da onde nossas cidades surgiram, mas também utilizar o potencial das margens para fins de lazer e turismo.
É lógico que tais movimentos precisam avançar e ser melhor explorados, em especial viabilizando uma ocupação ainda maior dos espaços com atividades econômicas – como bem vem conseguindo fazer, depois de décadas de luta contra o atraso, a capital gaúcha. Já imaginaram a orla da região central de Lajeado ocupada novamente com inúmeros bares e restaurantes? Ou, quem sabe, com edifícios residenciais e comerciais que devolvam vida e movimento à região? Tudo isso, é claro, com o devido cuidado e equilíbrio ambiental necessário e, também, com mecanismos capazes de suportar eventos extremos como cheias de grande porte. Há cases de sucesso mundo afora, inclusive aqui pelo Brasil.
O que não podemos é, outra vez, deixar que eventos extremos e que nos assolam poucas vezes a cada décadas nos façam abandonar essa reaproximação com o nosso rio. Ou, também, fazer com que pautas ambientais extremas, como se não fosse possível ocupar espaços com responsabilidade, joguem as nossas margens e locais alagáveis para um novo abandono que, além de privar a sociedade de espaços democráticos e acessíveis a todos, acabam por justamente deixar com que se tenha devido controle e cuidado com o rio. O mesmo Taquari que nos entristeceu pode e deve ser fonte de alegrias no futuro. Depende exclusivamente de nós.