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Nova rotulagem promete transformar o comportamento do consumidor

Em vigor desde o dia 9 de outubro, regras da Anvisa determinam alerta frontal em alimentos com alto teor de sódio, açúcar e gordura saturada

Produtos lançados a partir do dia 9 de outubro chegam aos supermercados com a nova configuração. Itens que já estavam no mercado tem prazo de até três anos para adaptação. Crédito: Thiago Maurique

Principal propulsor da economia do Vale do Taquari, a indústria de alimentos trabalha para se adaptar a novas regras de rotulagem determinadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Produtos lançados a partir do dia 9 de outubro chegam às gôndolas com tabela nutricional padronizada, além de alertas no rótulo frontal se tiverem alto índice de sódio, açúcar ou gordura saturada.

No caso de itens que já estavam no mercado, a mudança será gradual, ao longo dos próximos 36 meses. Conforme a Anvisa, as normas visam melhorar a clareza e legibilidade dos rótulos dos alimentos, de forma a auxiliar o consumidor a fazer escolhas alimentares mais conscientes.

A medida segue normativas semelhantes, adotadas globalmente desde meados dos anos 2000. Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a adotar a rotulagem frontal, em 2012, seguido por Peru, Uruguai, Colômbia, México e Argentina. No Brasil, a medida passou a ser discutida em 2014 e foi aprovada em 2020, com prazo de 24 meses para entrar em vigor.

Presidente da Fruki e do Arranjo Produtivo Local (APL) Alimentos e Bebidas do Vale do Taquari, Aline Eggers Bagatini afirma que as indústrias do setor estão comprometidas com a adoção da nova rotulagem nutricional.

Segundo ela, as informações destacadas provem maior clareza e autonomia aos consumidores. “Permite que as pessoas possam fazer escolhas, buscando produtos que atendam às suas necessidades, desejos, e que sejam mais adequados ao estilo de vida de cada um.”

Doutora em ciência e tecnologia de alimentos, a engenheira Liana Stoll afirma que a mudança na legislação visa justamente facilitar a compreensão dos rótulos pelos consumidores, de forma a reduzir a indução ao erro na hora de ler as informações.

Conforme Liana, é comum encontrar nas gôndolas dos supermercados produtos que se vendem como saudáveis, mas cuja composição é rica em ingredientes prejudiciais. Por isso, destaca a importância do alerta frontal. “A maioria dos consumidores não sabem ler os rótulos e não tem obrigação interpretar todas as informações contidas na tabela.”

Quanto à padronização da tabela, destaca a maior possibilidade de comparação entre produtos semelhantes, além de impedir que o contraste e as cores escolhidas dificulte a leitura. “As empresas são obrigadas a se adaptar.”

Novas formulações

Liana acredita que a medida obrigará as empresas a adotarem novas estratégias na formulação de seus produtos, de forma a escapar da rotulagem frontal. Segundo ela, nos países em que a medida foi adotada a mais tempo, as pessoas não pararam de consumir guloseimas devido aos alertas no rótulo, mas sim aqueles produtos cujo marketing projetava ser saudável.

Por outro lado, ressalta que nova lei também pode fazer com que as empresas utilizem adoçantes artificiais para substituir o açúcar. “São consequências que já estamos observando, inclusive em marcas que não utilizavam adoçante em suas formulações.”

Entrevista – Dafné Didier • Tecnólogo de Alimentos pela FATEC, pós graduado em Biotecnologia, MBA em Gestão e Certificação da Qualidade na Produção de Alimentos. Há mais de 15 anos na indústria de alimentos, é referência nacional em assuntos regulatórios, fundador da Alimentus Consultoria e da Tacta Food School.

“Há um impacto financeiro real para a indústria”

– Como novas regras de rotulagem beneficiam os consumidores?

Dafné Didier – As novas regras foram justamente elaboradas pensando nos consumidores. Em virtude das doenças crônicas não transmissíveis que acometem as pessoas em todo o mundo, e principalmente no Brasil, onde a obesidade, hipertensão e diabetes são problemas reais. Frente à certeza que tais doenças se relacionam com os hábitos alimentares, as novas regras visam dar mais informação ao consumidor. Permite o consumidor conhecer de forma mais clara, enfática e visível os alimentos alto teores de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, possibilitando escolhas mais assertivas baseadas na condição de saúde de cada pessoa.

Não apenas os teores de alguns nutrientes no painel principal, mas também a modificação nas informações da Tabela nutricional que permitirão que os consumidores comparem os perfis nutricionais de cada alimento, assumindo assim o controle e consciência sobre o que ele deseja consumir. Para o consumidor o impacto é extremamente positivo, garantindo o seu direito de ser informação sobre todos os aspectos dos alimentos

– Quais os impactos na indústria?

Didier – São bem maiores. Não estamos falando apenas sobre a disposição da informação, pois esse é um dever que a indústria já conhece. Porém os custos que estão envolvidos nessas modificações, que são inúmeras: novos clichês, revisão de formulação, substituição de ingredientes, homologação de novos fornecedores, atualização de documentação internas e a própria confecção de novos rótulos que geram, além de impactos econômicos, também sociais e ambientais. Dessa forma, avalio que há um impacto financeiro real para a indústria.

– De que forma a rotulagem nutricional frontal alterou o mercado de alimentos nos países onde foi instituída?

Didier – Tivemos muitos movimentos diferentes sobre a rotulagem nutricional frontal em outros países, principalmente no Mercosul. O chile, como um dos primeiros países a adotar o modelo, passou por vários debates e até movimentos de consumidores frente ao desconhecido, com receio da forma com que as informações eram ofertadas. Os limites dos nutrientes também foi o alvo desses debates.

O Mercosul ainda discute o tema, mesmo que vários países, inclusive o Brasil já tenha adotado seus modelos e limites. Além de outros pequenos detalhes, é o que ainda não possibilitou uma harmonização das regras, o que certamente irá gerar impactos econômicos para indústrias que desejam continuar suas relações comerciais de importação e exportação de alimentos. Entretanto, não será esse o ponto que impossibilitará novas negociações.

– Como o tema foi conduzido no Brasil?

Didier – De forma maravilhosa pela Anvisa, que pela primeira vez conduziu uma Tomada Pública de Subsídios com a população, recebendo mais de 33 mil contribuições em geral. Isso tornou-se um marco do processo de regulamentação, servindo de exemplo para outros órgãos reguladores, na qual foi visível a importação de uma participação ampla nos processos normativos que contribui para diminuir o medo sobre algo novo, principalmente do consumidor.

Não estou dizendo que o Brasil tomou a melhor estratégia para a rotulagem nutricional frontal, mas que não vejo movimentos de não aceitação dos alimentos com as novas regras como motivo para a não regulamentação. Como também, não prevejo nenhuma diminuição de consumo dos alimentos por “medo” da rotulagem frontal. O que poderá e deverá acontecer é o consumidor fazer escolhas mais assertivas, e igualmente a outros países, ter uma baixa inicial no consumo de alimentos que se relacionam com as principais doenças crônicas não transmissíveis.

A indústria já começou, até antes da publicação das normas, o processo de adequação as novas regras. O tema no Brasil foi bastante discutido, o que possibilitou que houvesse uma prévia para quando as normas fossem publicadas. O setor que sofre mais impacto são as indústrias fornecedoras de ingredientes e matérias-primas para industrias, que tiveram que correr para conseguir as informações detalhadas, principalmente sobre os teores de açúcares dos produtos, em tempo hábil da entrada em vigor das normas. Mas estamos falando de um prazo de adequação total, desde a publicação das normas, de cinco anos.

Os produtos que estiverem no mercado, mesmo após o prazo final, poderão continuar em comercialização até o seu prazo final de validade, não necessitando o produto retornar para a indústria para atualização da rotulagem. Sempre existirão aqueles que não se preparam. Também existirão aqueles que tais modificações geram custos altos que impactam até a viabilidade do próprio negócio.

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