Jornal Nova Geração

CHEIA NO VALE

Pesquisadores apontam falha na prevenção, no preparo e no alerta

Nota assinada por nove doutores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs afirma que era possível estimar catástrofe na bacia Taquari/Antas com quase um dia de antecedência

Comunidades ainda trabalham na limpeza das áreas atingidas. Força da correnteza causou destruição (Foto: Aldo Lopes)

A tragédia responsável pela morte de pelo menos 46 pessoas no Vale do Taquari poderia ter sido mitigada caso houvesse mais preparo das Defesas Civis e melhores sistemas de alertas nas comunidades ribeirinhas. É o que afirma documento assinado por nove especialistas do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs.

Pela nota dos pesquisadores, o episódio desse início de setembro mostrava potencial de grande enchente no Vale do Taquari até 24 horas antes da água passar dos 29 metros em Lajeado. Como evidência, o colegiado afirma que no dia 4 de setembro, a ponte de ferro sobre o rio das Antas, entre Farroupilha e Nova Roma do Sul, foi levada pelas cheias.

Ao mesmo tempo, o monitoramento de chuva do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em Serafina Corrêa, entre os rios Carreiro e Guaporé, indicava uma precipitação acumulada de 280 milímetros desde o início do mês. “Esse volume correspondia a 97% da chuva registrada no local durante todo o evento de cheia”, assinam os especialistas do IPH.

Para o diretor do instituto, doutor em hidrologia, Joel Goldenfum, os organismos técnicos de monitoramento das águas fizeram pelo menos 15 advertências de chuvas com volume muito acentuado, com impacto sobre a elevação do Rio Taquari.

“Temos uma série de medidas daqui para frente. Passa por uma cultura de prevenção em toda a comunidade, também por qualificar as próprias defesas civis. Podemos dizer que toda a cadeia de ações de prevenção, de preparação e alerta dos impactos da inundação falharam.”

A enchente da semana passada se tornou a maior tragédia natural da história do Rio Grande do Sul. Inclusive, existem apontamentos de que o nível do Rio Taquari tenha sido superior ao registrado na cheia de 1941, quando os registros apontam 29,91 metros. Em alguns pontos de Estrela, monitoramentos apontam que passou de 50 centímetros essa marca.

Entrevista com Joel Goldenfum

• Doutor em Hidrologia e diretor do IPH da Ufrgs

A Hora – Era possível saber antes que a magnitude da enchente seria extraordinária?

Joel Goldenfum – Com certeza. Desde a queda da ponte de ferro entre Farroupilha e Nova Roma do Sul dava para saber. E, na verdade, houve avisos. A questão toda é como esses alertas chegaram à população. Muitas pessoas afirmam que não sabiam. Temos de saber que o sistema de avisos e de comunicação é que apresentou problemas.

É preciso haver toda uma cadeia em funcionamento. Muitas pessoas foram dormir sem saber. Quando acordaram, a água estava invadindo as casas. Tiveram de se refugiar nos telhados. Coisas que jamais poderiam ter acontecido.

– Onde aconteceram os erros para essa cheia se tornar a maior tragédia natural do Rio Grande do Sul?

Goldenfum – É muito complexo neste momento responsabilizar um ou outro. Tudo começa em como as informações foram transferidas à população. Os números das chuvas e as consequências estavam bem claras. Os quadros técnicos que acompanham isso sabiam. O que pecou foi a última cadeia, que envolve a prevenção, preparação e o alerta às pessoas.

– Doutor, quando o senhor fala na cadeia de atendimento às pessoas, estamos falando de Defesa Civil.

Goldenfum – Sim. Estamos falando em Defesa Civil, e isso precisa ser analisado. Tanto que nós propusemos uma série de ações. Sobre esse tripé de prevenção, preparação e alerta, ele faz parte de um processo. Começa por evitar que pessoas morem em áreas alagadas. Quando isso não é possível, essa população precisa conhecer os riscos. Terem noção que vão estar suscetíveis a catástrofes e que precisam sair rápido.

De preparação, entendemos justamente a etapa para mobilizar as forças para garantir o socorro das pessoas e também de alguns bens. E o alerta, é o exato momento em que as famílias estão prontas para saírem. Não quando a água está chegando, mas quando os dados das próximas horas mostra que a inundação será inevitável.

A Defesa Civil é um elo. Ela não pode obrigar as pessoas a saírem. Para mim, talvez as pessoas não soubessem que moravam em área de risco, ou permaneceram por que não foram avisadas, ou ainda não acreditaram nos alertas.

– As autoridades, a comunidade e os líderes, subestimaram a enchente?

Goldenfum – Para mim não passa por isso. A falha não foi subestimar a cheia, foi não conseguir alertar a população a tempo. Nossa capacidade para prever eventos extremos e de prevenir ou mitigar desastres tem aumentado.

– O que aprendemos com esse episódio?

Goldenfum – Vou reduzir a uma palavra. Planejamento. Precisamos rever uma série de medidas daqui para frente. Pensar o que fazer com a população em vulnerabilidade social, que não vai ter outro lugar para ir, pensar nas cotas de inundação nas cidades. Talvez até transferir pontos de habitação nas cidades mais atingidas, como Muçum e Roca Sales.

Também temos questões técnicas para melhorar e também aspectos estratégicos institucionais, como um efetivo mais técnico dentro das defesas civis. Na população, temos de criar uma cultura social dos riscos. Fazer mapeamentos das zonas e permitir mais identificação sobre o potencial perigo.

Isso tudo nos obriga a termos uma ação mais ordenada em todas as pontas, em especial na capacidade de defender as pessoas. De informar os moradores para já terem um lugar para sair.

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