Jornal Nova Geração

OPINIÃO

Yemanjá e o cuidado com a Casa Comum

No dia 2 de fevereiro, popularmente comemora-se em diversos estados do Brasil, o dia de Yemanjá (Iemanjá). Esta data deriva do sincretismo religioso desta divindade negra africana, principalmente com a santa católica, Nossa Senhora dos Navegantes.

Venerada como “Rainha do Mar”, Yemanjá, da contração da expressão yorùbána Yèyé omo ejá “Mãe cujos filhos são peixes”, segundo a mitologia dos Òrìṣàs (Orixás) é filha de Olóòkun associada ao controle dos mares, do poder e sexualidade feminina, do matriarcado e junto com Ọ̀ṣun (Oxum), possui o título de Grande ìyába (Mãe Rainha).

Segundo D. M. Zenicola, “representa o poder progenitor feminino; é ela que nos faz nascer, divindade que é maternidade universal, a Mãe do Mundo”.

Ela exerce um papel muito importante na vida dos pescadores: “Iemanja desempenha duplo papel. De um lado ela é a mãe que propicia a pesca abundante – que controla o movimento das águas – da qual depende a vida do pescador”. Além disso, é comparada com diversas lendas folclóricas brasileiras, como da Mãe d’Água Iara e diversas histórias de sereias marítimas.

Nos cultos afro-brasileiros, a posição de grande mãe é apresentada quase como única, ofuscando e até mesmo levando a perda de características de mulher guerreira e de amante ardorosa, em função de sua associação com Nossa Senhora, a Mãe Imaculada. Nesta perspectiva, a Deusa dos Mares, deixa seu lado africano original, assumindo características europeias; “Quanto mais o papel de Iemanjá como mãe se fortaleceu, mais foi se aproximando da mãe dos católicos, Nossa Senhora, com a qual é sincretizada nas diversas regiões do Brasil”.

Sendo a divindade mais conhecida das religiões de matriz africana do país, suas celebrações anuais atraem para as praias milhares de adeptas e leigas destes cultos carregando consigo diversos “presentes”.

É comum vermos pessoas colocando barquinhos para fazerem seus pedidos, e dentro deles vão as oferendas que não são biodegradáveis. No entanto, o que muitas não se perguntam é: esta oferenda realmente agradará a “Mãe dos Mares”? Vamos Pensar! A embalagem de isopor além de demorar cerca de 150 anos para ser degrado na natureza, quando em pedaços é confundido com organismos marinhos, sendo ingeridos por peixes e cetáceos, causando-lhes graves danos ao sistema digestivo ou a própria morte. Os vidros dos perfumes e garrafas de champagne, segundo dados da UNICEF, levam cerca de quatro mil anos para se decompor, além de causar danos à fauna marinha e riscos de ferimentos aos banhistas.

Na atualidade, vários praticantes de cultos de matriz africana já tem iniciada uma consciência de recolhimento dos objetos não biodegradáveis, logo em seguida à oferenda religiosa.

Uma manifestação mais radical vem da renomada Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi, em seu artigo “Presença, sim! Presente, não!”, afirma que, a partir deste ano, a comunidade do seu terreiro não mais colocará presentes nos mares.

Nosso desafio é compreender que podemos reverenciar o que nos é divino com cânticos ou oferendas biodegradáveis, respeitando nossa Casa Comum, e que isso não deslegitima nossos ritos ancestrais. Na luta por justiça socioambiental, acreditamos na importância de questionamentos das práticas religiosas que visem resgatar a essência do Sagrado, contribuindo para um mundo mais sustentável e fraterno.

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